Do jeito que vai indo, a Amazon e o Google podem não contribuir com nosso conhecimento no futuro

A Amazon se preocupa com o conhecimento de seus clientes ou só quer ganhar dinheiro? A Amazon quer acabar com todas a livrarias físicas? E o Google, tem o direito de privatizar o conhecimento? A função de digitalizar todos os livros de bibliotecas pelo mundo é função do Google ou do Estado?
Não sei responder estas perguntas, mas vou pensar sobre. O tema foi dicutido pelo editor franco-americano André Schiffrin no programa Roda Viva da TV Cultura nesta segunda-feira 07/jan. Foi muito interessante, pois até o momento não tinha pensado a respeito do poder das empresas de tecnologia direcionado exclusivamente à função comercial.
Segundo André, as livrarias estão diminuindo e o mundo está infestado de livros publicados independentemente, sem nenhuma edição. Para ele, esta tendência é perigosa, pois o atual uso da internet caminha para o mesmo destino do rádio e televisão. André explicou que no início de cada uma destas tecnologias, o objetivo era a cultura e o conhecimento. Porém, sem controle e limites impostos acabaram se tornando o que são hoje, basicamente com razão comercial (“salvo excessões que não são a solução” ele disse).
Quando a internet foi criada, na Finlândia por exemplo, o seu uso foi incentivado com a proposta de não haver nenhum vínculo comercial. Por falha na administração do crescimento de seu uso, vemos no que deu globalmente. Para André, a publicação independente na internet é válida somente para países onde não há liberdade de expressão ou há acesso restrito à rede. Já em países totalmente globalizados, esta publicação em massa é prejudicial.
O mercado editorial existe para selecionar o que será publicado ou não, tendo como fundamentos o conhecimento, informação, ou entretenimento. “Uma biografia de uma vida muito interessante pode ser publicada de forma equivocada, sem estimular a leitura e caindo no esquecimento”.
Para André, as grandes editoras mundiais atualmente têm como objetivo único e final a lucratividade, sem considerar o conteúdo de suas publicações. Estas empresas raciocinam anualmente e financeiramente, e não na durabilidade do livro e suas contribuições para as pessoas.
Sobre a Amazon e o Google, André explicou que não concorda com o rumo que as empresas estão tomando, sem controle algum. Segundo ele, a Amazon já declarou que quer eliminar as livrarias físicas e também eliminar a edição (e editores), e é preciso combater este tipo de monopólio, acredita André. Ele também disse que a Amazon já tentou implantar a listagem de editores somente diante pagamento, o que a pressão contrária consegue evitar por enquanto.
Observando a lista de livros físicos ou digitais mais vendidos nos EUA percebe-se que são muito poucos títulos vendidos em grande quantidade. “É ótimo para a Amazon, mas prejudica a opinião pública”, disse André. Leis e controles para a quantidade e qualidade de editores também não existem, prejudicando a qualidade das publicações em geral.
O Google também caminha sem limites, sem leis e regulamentações contra o monopólio de informação. Na Europa por exemplo, o Google não paga impostos, e Schiffrin questiona por que algumas pessoas têm o direito de pagar menos taxas. Outro exemplo dado pelo editor foi o objetivo do Google de digitalizar todos os títulos do mundo. A segunda maior biblioteca da França já está participando do processo, e André não concorda com a “privatização da história e do conhecimento, isto deve ser propriedade do Estado”.
Para ele, as empresas digitais têm papel importante neste contexto, porém não podem ter a propriedade destas informações. A internet é válida, e é preciso criar regulamentações para não acontecer o que houve com o rádio e televisão. O grande fator complicador pra André é que a rede está nas mãos de quem quer ganhar mais dinheiro que os outros, “e é preciso reduzir esta pressão”. Senão, as chances do Google cobrar pela leitura dos títulos digitalizados ou a Amazon cobrar os editores para poderem vender suas obras são muito altas.
Indo contrário a este movimento, Schiffrin fundou uma editora sem fins lucrativos, a New Press, na qual um grupo de editores mantém o foco na qualidade, na educação e na opinião pública sem a preocupação se o livro fará sucesso financeiramente ou não. Segundo ele, há livros que começam a ser comprados após 20 anos de sua publicação.
André cita alguns bons exemplos de manutenção da cultura sem objetivos de lucratividade. Na França, após a segunda guerra mundial, preocupado com a invasão de filmes de Hollywood, o governo inseriu uma pequena taxa nos ingressos de cinema para subsidiar filmes nacionais e salas de cinema independentes. Desta forma, hoje na França existem centenas destas salas com filmes de todo o mundo, e não somente com as poucas opções de filmes americanos. A razão financeira limita a quantidade de opções. “Em uma semana, é possível assistir mais filmes coreanos em Paris do que em um ano em Nova Iorque“.
Outro exemplo na Noruega, o governo também subsidia a cultura do país. No início dos anos 1900 os cinemas foram municipalizados, se tornando sem fins lucrativos e permitindo a escolha de filmes. Hoje na Noruega o governo continua incentivando a cultura nacional, subsidiando as demais mídias para escolherem o que publicar e expor suas opiniões, e não selecionar o conteúdo somente pelo potencial de vendas.
O canal de televisão inglês BBC também se beneficia de taxas para o bem de todos. A empresa recebe incentivos diretamente, sem passar pelo governo para manterem suas transmissões. Desta forma, o canal está há décadas independente do governo, e sem propagandas.
Como último exemplo, André conta que na Suécia existe uma cooperativa de editores com 20 mil cooperados contribuindo anualmente. “Se 3 mil comprarem um livro de outro editor, a cooperativa já se mantém em funcionamento”.
André defende este tipo de atuação governamental. “Se o Estado faz, é ditadura. Se o Google faz é progresso”. Nos exemplos citados, a diversidade de conteúdo das mídias é enorme, e não há discussão simplesmente porque não há influência do Estado, é apenas um meio facilitador.
Finalizando, Schiffrin comenta que toda nova tecnologia pode ser utilizada de forma errada somente para ganhar dinheiro, e é preciso ter cuidado. É necessário debater o futuro da internet, o que não é feito ainda, para que não acabe como as demais mídias. Além disso, ele enfatiza a importância do mercado editorial, dizendo que acredita “não termos muitos escritores atualmente que poderiam ser lidos no século seguinte, como antigamente”.
Defendendo a leitura de livros, físicos ou digitais, André comenta que “os livros ainda são a única maneira de as pessoas passarem um bom tempo observando um raciocínio sendo desenvolvido”, e desta forma, o problema será o pouco tempo investido pelos novos leitores a formularem seu raciocínio posteriormente. Os livros também servem “para contar às pessoas sobre as ideias que elas precisam para pensar melhor a respeito do futuro”.
Pensando sobre o que foi discutido, acabei concordando que é preciso tomar mais cuidado com o poder das empresas de tecnologia. Sou totalmente a favor de seu crescimento, porém, como a biblioteca da França, caso o Google resolva inserir publicidade nos livros, ou vender o contato de perfis de leitores, não há nenhum limite no contrato. É preciso sim antecipar estes problemas mesmo acreditando que não acontecerão (e eu acredito).
No caso da Amazon, não concordei com o objetivo de terminar com o mercado editorial. Se a função de um editor é se preocupar com a diversidade de escolha e opinião pública, deve continuar existindo. Sobre a publicação independente exagerada na internet, já é um fato e sou a favor. Creio que é possível a existência de um mercado de títulos editados e outro mercado gratuito e independente. Neste último, os únicos prejudicados serão serão os milhares de autores a espera de audiência (como este blog).
Agora, quem começará a discussão política proposta por Schiffrin para cuidar do futuro da internet? Será que é possível existir esta pauta avaliando as poderosas Amazon e Google? Se sim, será possível aplicar os limites propostos?
Ou o destino da internet já está fadado à publicidade e comércio como o rádio e TV?
Bom dia, Marcelo.
Como observador da vida, apenas, respondo a sua pergunta: o futuro da internet é mesmo do rádio e da tevê: publicidade e comércio, com o requinte de cobrarem assinatura. Acho até que já é assim, pois pagamos por conteúdos que queremos ter.
O mais grave seria a privatização da cultura ( = todo saber humano ). O saber não tem dono e na Idade Média a igreja tentou-se apoderar-se dela, mas não conseguiu. Agora, nas mãos de Google ou Amazon, com o ardil de proteger ou preservar o acervo, teremos que pagar para aprender? Ou tais empresas liberarão o acesso gratuito ao conteúdo? Ou terão o acervo “free” e o “pay-per-view”, como as empresas de TV a cabo?
Não concordo que uma empresa tenha o monopólio de um alimento modificado geneticamente. Certo o governo brasileiro quando quebrou a patente de medicamentos, criando os “genéricos”, pois barateou a saúde.
Setores como energia, telefonia e abastecimento de água jamais podem estar sob controle privado, da mesma forma como o controle do conhecimento, conforme discorre em seu artigo.
Quando ao futuro da internet, já está traçado…
Grande abraço!
Oi Elder, obrigado!
Tenho uma dúvida quanto ao controle privado comentado por você.
Nos casos de privatização é bem-vindo, não?
(claro, contando com o conceito e desconsiderando interesses)
Pois o governo não tem capacidade de operar e gerenciar todos estes recursos, portanto o “arrendamento” para quem sabe tocar o negócio é válido, não?
Grande abraço,
Marcelo.
Oi Marcelo.
Há setores ém que o setor público pode coexistir com o setor privado, como é hoje com escolas e hospitais. Com bancos, não precisa mais que o Banco do Brasil. Porém, setores que seriam de “segurança nacional” não devem estar sob o jugo do capital privado, que formam cartéis e formam uma ditadura às avessas. Me corrija se eu estiver errado: em 2001/2002 houve a privatização de setores de energia elétrica. Logo em seguida, um racioanamento de energia, que culminou com um aumento abusivo das tarifas. O povo, acuado pela privação (=racionamento) aceitou o aumento em questionar. Na época, houve aumento porque o consumo diminuiu rsrsr e alguem preceisava do lucro. No ano seguinte, não houve racionamento. Nem aumento das chuvas, nem se constroi usinas de grande porte em um ano. Pergunto: por que subiu o custo? Por que racionou? Por que não houve mais racionaemnto nos anos seguintes?
Com a tefefonia foi a mesma coisa, com o diferencial que hoje há linhas sobrando. Mas confira os preços das tarifas: abusivo.
Enfim, setores de “soberania nacional” devem ficar com o governo; o que não for, a quem possa gerenciar. Conhecimento e cultura: direito de todos, gratuito…rsrs